quarta-feira, 18 de novembro de 2009

"Eremotherium", a Preguiça Gigante, em Nova Redenção

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- Matéria 1
"O passado submerso -Fósseis de preguiças gigantes são resgatados na caverna do poço Azul (BA)"
Por: Thaís Fernandes - "Ciência Hoje"
Publicado em 01/08/2005 | Atualizado em 25/09/2009

"Chapada Diamantina, Bahia. Um local conhecido por suas belezas naturais é agora palco de uma verdadeira aventura paleontológica. Fósseis submersos de vários animais estão sendo resgatados a mais de 15 m de profundidade na caverna do poço Azul, no município de Nova Redenção. Já foram identificadas 14 espécies diferentes. Entre os achados, chama a atenção o de um esqueleto quase completo de um mamífero herbívoro gigantesco que viveu em todas as Américas até cerca de 11 mil anos atrás: a preguiça terrícola, que chegava a medir 6 m de comprimento.
Durante o trabalho, coordenado pelo paleontólogo Cástor Cartelle, da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas) e da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), também foram coletados fósseis de outra preguiça terrícola, que permitirão ao pesquisador fazer uma nova descrição dessa espécie, hoje classificada de forma equivocada. A expedição fará parte de um documentário, filmado também no Canadá e no Peru, sobre a vida e a extinção desses grandes mamíferos.
A descoberta desse sítio paleontológico no poço Azul ocorreu em 1995, quando mergulhadores encontraram um crânio que mais tarde seria identificado como o de uma preguiça gigante. Dois anos depois, o mergulhador e cinegrafista Túlio Schargel, durante trabalho de mapeamento da caverna, achou, a 15,5 m de profundidade, uma costela desse mamífero medindo 1,20 m. Então, ele entrou em contato com Cartelle para iniciar um projeto de retirada dos fósseis e realização do documentário, que conta ainda com a participação de outros dois paleontólogos, o canadense Gerry de Iuliis e o francês François Pujos, dedicados ao estudo da história das preguiças gigantes nas Américas. Mais tarde, a equipe descobriu outros sítios submersos no poço.
Os três paleontólogos e uma equipe de cerca de 30 pessoas (incluindo pesquisadores, mergulhadores e diretores e produtores do documentário) se reuniram em julho na Chapada Diamantina para o resgate dos fósseis. Foi retirado um esqueleto praticamente completo de uma preguiça terrícola da espécie Eremotherium laurillardi , a maior desse grupo de mamíferos que habitou as Américas até o final de um período conhecido como Pleistoceno, há cerca de 11 mil anos. Esse animal chegava a medir 6 m e ter o volume de um elefante, com cerca de cinco toneladas (ver ‘Preguiças terrícolas, essas desconhecidas’, em CH 161 ).
Cartelle calcula que o espécime encontrado tinha cerca de 4,5 m e era jovem, pois seus ossos não estavam totalmente solidificados. “Estamos interpretando que provavelmente era uma fêmea, por causa de algumas características de seu crânio e pela proporção de seus ossos, talvez 30% menores que os de outros indivíduos, que seriam os machos”, adianta. O paleontólogo brasileiro conta que essa espécie tinha os dentes formados somente por dentina, sem esmalte (ao contrário do que acontece com outros mamíferos), sendo alguns com lâminas e outros com cunhas cortantes separadas por um vale na superfície de mastigação. “Os dentes superiores e inferiores se encaixavam perfeitamente, permitindo que o animal picotasse a grama, seu principal alimento, de forma eficiente”, acrescenta."
À esquerda, a mão direita da maior espécie de preguiça terrícola já encontrada ( Eremotherium laurillardi ). À direita, tíbia, vértebra, úmero e outros fósseis de outra espécie de preguiça terrícola, do gênero Scelidotheriinae.

"Nova descrição
Os pesquisadores também resgataram um osso do braço e outro da bacia de uma espécie menor de preguiça terrícola (do porte de um jegue) já conhecida, que, segundo Cartelle, não está classificada corretamente. Há 10 anos o paleontólogo encontrou fósseis do crânio e da mandíbula desse animal e aguardava a descoberta de outras peças para confirmar suas suspeitas. Agora, com o material recém-coletado, ele pretende fazer uma nova descrição da espécie, que deve, inclusive, ser alocada em outra família.
Além dessas duas preguiças gigantes, a equipe encontrou nos sítios do poço Azul fósseis de um toxodonte (animal semelhante a um rinoceronte) da mesma espécie dos que viveram na Argentina. Por causa de mudanças climáticas, esse e outros grupos teriam vindo para a região intertropical brasileira, onde encontraram temperaturas mais amenas. Também foram resgatados um fêmur de um mastodonte (do porte de um elefante asiático, mas com presas maiores), um par de placas de tatu gigante e ossos de um pequeno carnívoro chamado jaratataca ( Conepatus semiestriatus ), um veado, uma tartaruga, porcos, roedores, morcegos, marsupiais, lagartos, cobras e duas outras espécies de preguiças terrícolas. Segundo Cartelle, uma dessas preguiças era do tamanho de um boi pequeno e tinha um tipo de dente diferente, em formato triangular, e o palato (céu da boca) crescido, com sulcos que lembravam veias. “É possível que essa espécie se alimentasse mais de folhas”, afirma o paleontólogo. No total, os pesquisadores retiraram fósseis de 14 espécies diferentes de animais."
"Uma explicação para a concentração desses fósseis no poço Azul é que os animais tenham sido carregados por enchentes ou rios até a caverna. O geólogo Ivo Karmann, do Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo, explica que a caverna do poço Azul é uma formação de rocha calcária por onde passam rios subterrâneos (chamados condutos) e que se comunica com a superfície em uma área de depressão chamada dolina, formando uma espécie de funil. “Os animais que caem nessa depressão são jogados diretamente para dentro do poço na caverna”, completa. Segundo Karmann, a presença de preguiças terrícolas indica que o clima na região era úmido há 11 mil anos, com as estações seca e chuvosa bem definidas.
O esqueleto da preguiça gigante retirado do poço Azul será estudado no Museu de Ciências Naturais da PUC-Minas e, depois de preparado tecnicamente, retornará à chapada Diamantina, seu local de origem. “A idéia é construir um centro de exposições para abrigar o animal”, conta Túlio Schargel. O resgate dos fósseis fará parte do documentário ‘O Brasil da Pré-história – expedição preguiça gigante’, patrocinado pela Petrobrás e co-produzido pelas empresas Grifa Mixer e Gedeon Programmes. O filme deve ser comercializado para emissoras de TV e tem lançamento previsto para março de 2006."
Fonte:
http://cienciahoje.uol.com.br/revista-ch/revista-ch-2005/218/o-passado-submerso

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- Matéria 2
"Pesquisadores descobrem preguiças gigantes em caverna na Bahia"
Publicada em 10 / 07 / 2005
Fonte: http://noticias.ambientebrasil.com.br/noticia/?id=19956
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Pesquisadores descobrem preguiças gigantes em caverna na Bahia
Com as mãos ainda meio empapadas de sedimento úmido, o paleontólogo Cástor Cartelle Guerra mal consegue conter um sorriso malandro ao mostrar aos visitantes o tesouro que vem amealhando depois de algumas semanas de escavação.
"Essa aqui ainda era de menor", diz, errando de propósito no português, "e provavelmente era uma linda menina."
Um desavisado provavelmente ia coçar a cabeça em total incredulidade diante de uma frase dessas: afinal, a expressão "de menor" se refere a um úmero (o osso do antebraço) ridiculamente maciço, com 1,5 m. E a "mocinha" em questão é uma preguiça gigante.
Castor Cartelle
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Mauro Chagas, colega de Cartelle na PUC (Pontifícia Universidade Católica) de Minas Gerais e curador de paleontologia de mamíferos no museu da instituição, logo explica a piada.
As extremidades dos ossos do bicho (que devia ter uns 4,5 m de comprimento e várias toneladas quando vivo) ainda não estavam totalmente soldadas quando ele morreu --ainda havia tecido cartilaginoso na ponta, o que significa que a "garota" ainda estava em fase de crescimento antes de partir desta para uma melhor. Talvez atingisse os 6 m pelos quais sua espécie, a Eremotherium laurillardi, é famosa.
Eremotherium
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Um esqueleto praticamente completo desse bicho de cinco toneladas é o achado que mais chama a atenção entre os feitos pelos pesquisadores numa caverna da chapada Diamantina, no interior da Bahia -- mas nem de longe é o mais significativo. Cartelle, Chagas e seus colegas estão tirando do Poço Azul, como é conhecido o sítio do município de Nova Redenção, um verdadeiro zoológico brasileiro da Era do Gelo.

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São quatro espécies só de preguiças gigantes -duas das quais devem ganhar novas denominações científicas graças aos fósseis da gruta, afirmam os pesquisadores.
Além da reviravolta científica, a equipe também é a estrela de um documentário atualmente em produção, "O Brasil da Pré-História - Expedição Preguiça Gigante". Com os novos achados do Poço Azul e as reconstruções digitais da criatura que o filme incluirá, tudo indica que esses animais majestosos serão trazidos de volta à vida com um grau de detalhe sem precedentes.
Embora nem uma só espécie tenha sobrado para contar a história hoje, as preguiças gigantes, ou terrícolas (de hábitos terrestres), como também são chamadas, são um dos grupos mais diversificados e bem-sucedidos entre os mamíferos das Américas. Aliás, pode-se dizer que são produto genuinamente nacional (ou, pelo menos, sul-americano), já que evoluíram no Brasil e nos países vizinhos quando a América do Sul ainda era um continente-ilha.
Dos primeiros registros fósseis no Eoceno (há 50 milhões de anos), o grupo foi crescendo em tamanho e variedade. Durante o lento processo geológico no qual a América Central surgiu, formando uma ponte entre a América do Sul e a América do Norte, os mamíferos dos dois continentes participaram de um gigantesco troca-troca, o chamado Grande Intercâmbio Faunístico, cujo auge aconteceu há uns 3 milhões de anos.
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Perde-ganha
Nessa brincadeira, os vizinhos do sul, em sua maioria, é que levaram a pior, caçados por novos predadores como onças, ursos e dentes-de-sabre ou tendo de enfrentar a competição de herbívoros como cavalos e camelos. A brilhante exceção foram as preguiças, que acabaram colonizando boa parte dos atuais Estados Unidos e Canadá, junto com alguns outros bichos sulinos, como os tatus.
Não há prova mais clara dessa versatilidade evolutiva do que a "escadinha" de preguiças tirada do Poço Azul pela equipe. Da grandalhona Eremotherium, com volume ("embora não as proporções do corpo", ressalva Cartelle) de um elefante africano moderno, chega-se à relativamente diminuta Nothrotherium, que tinha o tamanho de uma ovelha e não passava dos 50 kg.
A "escadinha" também inclui duas espécies com dimensões intermediárias, entre um boi e um burro modernos, que estão sendo revistas por Chagas, Cartelle e seu colega canadense Gerry De Iuliis, da Universidade de Toronto. O conjunto é uma boa amostra da fauna do cerrado no fim do Pleistoceno (a Era Glacial, que se encerrou há apenas 10 mil anos) e está acompanhado de mais dez espécies extintas e modernas já recuperadas do Poço Azul.
Os tamanhos variados também são um indício de estilos de vida diferentes, embora todos os bichos fossem herbívoros lentos e pacíficos. Em geral, vagariam pelo chão, sobre quatro patas, mas seriam capazes de ficar eretas com a ajuda da cauda. As grandes garras do Eremotherium ajudariam na defesa e para arrancar galhos e folhas das árvores.
Cartelle afirma que uma das espécies "redefinidas" pelos achados deverá pertencer ao gênero Valgipes, enquanto a outra ainda deverá ser definida. "Paciência de Jó" é uma expressão até suave para qualificar o trabalho: segundo o paleontólogo da PUC - Minas, ele já conhecia o crânio de uma das espécies novas há mais de dez anos, mas preferiu esperar esse tempo todo para finalmente ser recompensado com as descobertas na chapada, entre elas as mãos e os pés do bicho.
A vantagem é que a definição de espécie se torna mais abrangente e confiável do que costumava ser nos tempos heróicos (bem, não tão heróicos) da paleontologia.
"Antigamente, era mania você sair dando nome a qualquer ossinho. Isso não está mais com nada", debocha Cartelle. A mania, aliás, chegou a produzir alguns momentos no mínimo bizarros. Basta dizer que a espécie Valgipes deformis foi originalmente batizada, nos idos de 1864, com base num único calcâneo (osso do pé), que ainda por cima era considerado deformado (daí o nome de espécie do bicho em latim). Já a também brasileira Catonyx cuvieri chegou a ter nada menos que 40 nomes diferentes por causa da obsessão por batizar caquinhos de fósseis.
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Está tudo nos dentes
As mandíbulas praticamente completas de Eremotherium vindas do lago também ajudam a mostrar porque as preguiças estavam entre os herbívoros mais bem-sucedidos de seu tempo. Os dentes, enormes e sem esmalte, cresciam sem parar e tinham raiz aberta. Os de cima, em formato de cunha dupla, se encaixavam exatamente nos de baixo, formando a plataforma ideal para prensar vegetais -principalmente grama, na opinião de Cartelle.
Depois de vasculhar a bancada, Chagas volta com outro tesouro: o martelo e a bigorna, ossinhos do ouvido médio do bicho. São os ossos definidores de todos os mamíferos, já que não existem entre os répteis --e a prova de que a "mocinha" era parente de um certo Homo sapiens. (Folha de S. Paulo)
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