domingo, 13 de dezembro de 2009
"O meteorito de Bendegó", por Maria Elizabeth Zucolotto
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Artigo redigido por Maria Elizabeth Zucolotto
Museu Nacional / UFRJ
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"O Bendegó é o maior meteorito brasileiro conhecido até o momento. Pesa 5,36 toneladas e mede 2,15m x 1,5m x 65cm. De formato meio achatado, lembra uma sela de montaria. Trata-se de uma massa compacta, de ferro e níquel, contendo outros elementos em quantidades menores ( ver tabela 1).
Apesar de seu colossal tamanho, ele já não mais figura entre os dez maiores do mundo, muito embora fosse o segundo em peso e medida à época de seu descobrimento (ver tabela 2 ). Foi descoberto no interior da Bahia e hoje se encontra em exposição na sala de meteoritos do Museu Nacional do Rio de Janeiro.
A seguir contaremos a história da sua descoberta e do engenhoso transporte de que foi alvo, até à cidade do Rio de Janeiro.
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História
Foi descoberto pelo menino Domingos da Motta Botelho, em 1784. O garoto campeava o gado quando percebeu que, ali, na invernada, havia uma pedra grande, amarronsada, bem diferente das outras da Região. Chegando em casa, comentou com o pai a sua descoberta. Aquele, um fiel súdito do Governo -- Joaquim da Motta Botelho, informou às autoridades ter encontrado, sobre uma elevação próxima ao Rio Vaza Barrís, nos sertões de Monte Santo, Bahia, “uma ‘pedra’ de tamanho considerável da qual se presumia conter ouro e prata”. O então Governador, D. Rodrigo, ficou muito impressionado com a descoberta e, no ano seguinte,1785 encarregou o Capitão-mor de Itapicurú, Bernardo Carvalho da Cunha, de providenciar o seu transporte para a capital, Salvador.
O Capitão Cunha escavou ao redor do meteorito uns 4 níveis. Auxiliado por 30 homens e algumas alavancas, conseguiu colocar o meteorito sobre uma carreta especialmente construída para o transporte de carga tão pesada. Para facilitar a passagem, ele pavimentou uma pequena estrada até o riacho. Tendo 12 juntas de bois atreladas ao veículo, partiu vagarosamente sobre um leito de pedra especialmente construído para a passagem da carreta. Seu plano era levar o meteorito até o Riacho de Bendegó e depois para o Rio Vaza Barrís, até alcançar o Porto de Salvador e, de lá, seguir de navio até a capital.
Tudo corria bem até a descida do leito do riacho onde, não dispondo de freios, o veículo ganhou momento, tendo sua velocidade acelerada em muito, o que impôs um atrito sobre os eixos, incendiando-os. A carreta correu desenfreadamente morro abaixo, indo parar junto com o meteorito no leito do riacho Bendegó, dentro de uma ipueira, a apenas 180 metros do ponto de partida. Nunca se soube se algum boi veio a morrer neste atrapalhado empenho.
Bernardo Carvalho da Cunha, em face do acontecido e levado pelo desânimo, abandonou a façanha. Cientificado do fato, D. Rodrigo levou-o ao conhecimento do Ministro de Estado de Portugal, enviando-lhe alguns fragmentos do material. O fracasso, entretanto, veio a favorecer o fato de o meteorito encontrar-se hoje no Brasil, pois, de outra forma, teria ido parar em Portugal ou teria sido totalmente fundido em busca de metais preciosos.
A notícia, correu o mundo e a misteriosa “pedra” foi visitada por alguns cientistas viajantes, entre os quais A. F. Mornay que, em 1810, suspeitando tratar-se de um meteorito, foi a Monte Santo, encontrando-a exatamente no local onde fora deixada, vindo a constatar que, de fato, tratava-se de um meteorito. Com muita dificuldade, conseguiu retirar-lhe uns poucos fragmentos, que juntamente com as observações pessoais colhidas foram remetidos a Wollaston, da Real Sociedade de Londres.
Seis anos mais tarde, era publicada no “Philosophical Transactions” a carta de Mornay e as análises realizadas por Wollaston. Em suas informações, Mornay atribuía ao meteorito o volume de 28 pés cúbicos e o peso de 14.000 libras e com as dimensões de 7 pés x 4 pés x 2 pés de espessura.
Outros visitantes ilustres foram a dupla de naturalistas alemães, Spix e Martius, em 1820, os quais foram conhecer o meteorito em companhia de seu descobridor Domingos da Motta Botelho, já um homem àquela época. Encontraram o meteorito no mesmo ponto deixado, e ainda sobre a carreta do Cap. Cunha. Com muita dificuldade, e depois de atearem fogo à “pedra” por 24 horas, conseguiram retirar alguns fragmentos do meteorito, os quais foram levados para a Europa, o maior deles sendo doado ao Museu de Munique.
Como na estória da Bela Adormecida, o meteorito permaneceu no leito do rio por cerca de 100 anos quando, em 1883, o Prof. Orville Derby, do Museu Nacional, tomou conhecimento do meteorito. Derby contatou o engenheiro da Estrada de Ferro Inglesa (British Rail Road) , que construía uma extensão da estrada de Monte Santo a Salvador, que o notificou que, em breve, a estrada alcançaria o ponto mais próximo ao meteorito, ou seja, cerca de 100 km de distância, em terrenos montanhosos. Contudo, os custos do transporte estariam bem acima das possibilidades do Museu.
Em 1886, o Imperador D. Pedro II tomou conhecimento do fato pela Academia de Ciências de Paris, durante uma visita à França, prontificando-se a providenciar o transporte de peça tão importante para o Rio de Janeiro, assim que retornasse ao Brasil
Aqui , o Imperador chamou o Sr. José Carlos de Carvalho, um oficial aposentado da Guerra do Paraguai, primo do engenheiro da Estrada de Ferro Inglesa contatado por Derby anos antes. Informando-se das possibilidades do transporte, José Carlos de Carvalho procurou apoio da Sociedade Brasileira de Geografia, a qual tomou todas as providências para que o transporte fosse efetuado. A Sociedade encarregou-se, principalmente, da parte financeira, conseguida por intermédio de um generoso patrocínio do Barão de Guahy, cujo nome de batismo era Joaquim Elysio Pereira Marinho.
Organizou-se, então, uma comissão do Império para a recuperação do Bendegó, formada por José Carlos de Carvalho e pelos engenheiros Vicente de Carvalho Filho e Humberto Saraiva Antunes (Fig.1). No dia 7 de setembro de 1887, quando era comemorado o aniversário da Independência, iniciou-se o trabalho de remoção do meteorito, com uma solenidade cívica às margens do riacho Bendegó. Ergueu-se ali, um marco denominado “D. Pedro II” (Fig.2 ), em homenagem ao Imperador. Na ocasião, colocou-se dentro de uma pequena caixa de ferro um exemplar do termo de inauguração do trabalho de remoção e um exemplar do Boletim da Sociedade Brasileira de Geografia, que publicava um memorial sobre o meteorito.
No relatório da viagem, publicado em português e francês, em 1888, o Cap. Carvalho relatou detalhadamente o transporte do Bendegó, a geografia do local e as dificuldades enfrentadas por todos.
Na descrição da geografia local, Carvalho deu uma visão completa da Região, mostrando o erro em que têm incorrido muitos sábios naturalistas que visitam os sertões somente em tempos de seca Este erro consiste em considerarem aquelas paragens como desertos áridos, sem vegetação e inabitáveis. Conforme a época em que o sertão é percorrido, apresenta painéis de natureza tão diferentes, tão opostos entre si, que muitas vezes o naturalista , ou um outro viajante qualquer, custa a crer que o sítio em que se encontra seja o mesmo avistado por ele alguns dias ou semanas antes.
Por ocasião das águas, o que eqüivale a dizer da Vida, a vegetação é pujante e original, o céu límpido e a natureza encantadora. Na época das secas, todavia, os campos se apresentam negros ou pardos e o solo, quando não arenoso, fende-se profundamente; as árvores apresentam-se desnudas, sem folhagem, à exceção dos juazeiros e umbuzeiros; e a paisagem toma um aspecto de Inverno rigoroso, sejam os climas frios ou temperados. Basta, porém, que se precipitem as primeiras chuvas para que a temperatura caia, a vegetação reviva, e, ao cabo de uns poucos dias, o campo se reverdece e fica florido, outra vez, não lembrando em nada a paisagem vista uns dias antes...
A Comissão do Império, após diversos estudos geográficos, escolheu o que seria a melhor rota para o transporte do meteorito até a Estação Férrea de Jacuricy. O caminho escolhido foi o mais curto, embora tivesse que transpor a Serra do Acarú. Foi preciso, igualmente, construir grande parte das estradas, pois as existentes eram muito estreitas e se encontravam em péssimo estado de conservação.
Projetada por José Carlos de Carvalho, mandou-se construir uma carreta que, engenhosamente, poderia andar sobre trilhos, ou sobre rodas, dependendo das condições encontradas no trajeto. A carreta possuía dois pares de grandes rodas de madeira, para rodar em solo, e na parte interna, especialmente calculadas, rodas metálicas para rodar sobre trilhos, de tal modo que, estando sobre estes últimos, as rodas de madeira não tocassem o chão.
Por vezes, o carretão era puxado por juntas de boi. Noutras ocasiões, pondo-se em prática as habilidades de um marinheiro, tirava-se proveito do emprego de estralheiras, talhas dobradas, patescas e estropos, e de todas as engenhosas disposições de cabos e roldanas de que o homem do mar sabe servir-se para, com esforços relativamente pequenos, locomover pesos consideráveis.
No dia 25 de novembro, a carreta começou a se mover sobre o leito do riacho de Bendegó. No dia 7 de dezembro, tendo se movido por apenas 17 km, esse carro primitivo de transporte encontrou as primeiras dificuldades ao cruzar o Rio Tocas. Após dois dias de fortes chuvas, o leito do rio até então seco, estava molhado e escorregadio, ocasionando o descarrilamento do carretão, virando e atirando o meteorito para dentro do riacho. Trabalhou-se por 24 horas ininterrúptas. Fogueiras foram acesas para que se prosseguisse viagem no dia seguinte.
A transposição da Serra do Acarú, que obrigava a uma subida de rampas de 18 a 20% de declive, foi bastante árdua. A operação foi executada por cabos conectados ao carretão e amarrados às árvores mais grossas, propositadamente deixadas na estrada aberta, e puxadas com o auxílio de talhadeiras, talhas e juntas de boi. Conta o relatório que, já quase no sopé da serra, uma árvore cedeu. Os aparelhos se arrebentaram e o carretão precipitou-se por uma rampa de 30% de declive (km 22), indo parar, felizmente, no meio da ladeira, por ter o meteorito saltado na frente do carretão, paralisando-o. Não fosse esta queda providencial e o carretão se teria descarrilado para o fundo de uma grota profunda. Felizmente, as chuvas só começaram a cair depois da passagem da Serra do Acarú. A marcha foi interrompida sete vezes pela queda do meteorito da carreta e quatro vezes para a substituição de eixos que se partiram.
A comissão enfrentou diversas dificuldades, como a construção de estivados em lagoas, armação de passagens provisórias sobre o Rio Jacuricy de 50 metros de vão, levantamento de aterros sobre baixadas alagadas, e o corte de caminhos por entre encostas de morros pedregosos. A Comissão pode orgulhar-se de ter realizado um dos mais, se não o mais notável transporte já efetuado no Brasil.
Toda a marcha de 113 km pelo Sertão, entre o local onde fora abandonado 102 anos antes, e até a Estação de Ferro de Jacuricy, demorou 126 dias, avançando em média cerca de 900m por dia.
No dia 14 de maio de 1888, chegou o meteorito à Estação de Jacuricy, e no dia 16 assentou-se o marco de chegada, denominado “Barão de Guahy”, no exato local de onde o meteorito embarcou com destino ao Museu Nacional do Rio de Janeiro. Foi lavrado um auto com todas as informações concernentes, junto com outro exemplar sobre a viagem, e ambos foram colocados numa caixa de ferro deixada nas fundações do marco. Da Estação de Jacuricy o meteorito embarcou para Salvador e, de trem, percorreu 363 km, chegando a Salvador a 22 de maio de 1888. Lá chegando, foi pesado, verificando-se que o mesmo tinha, então, 5360 kg .
O meteorito ficou em exposição em Salvador durante 5 dias, e em 1o de junho embarcou no vapor “Arlindo”, seguindo para Recife e, posteriormente, para o Rio de Janeiro, onde chegou no dia 15, sendo recebido pela Princesa Isabel e entregue ao Arsenal de Marinha da Corte.
Nas oficinas do Arsenal de Marinha foram feitos os cortes indispensáveis para o estudo da “pedra”, bem como para a obtenção de materiais que foram doados e permutados com diversos museus do Brasil e do mundo. Confeccionou-se, também, uma réplica do meteorito em madeira, que o governo brasileiro fez figurar na Exposição Universal de 1889. Este modelo hoje se encontra no Museu de História Natural de Paris.
Concluído o trabalho, o meteorito foi transportado a 27 de novembro de 1888 para o Museu Nacional, nessa época situado no Campo de Sant’Anna,.
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Revisitando o Bendegó
Percorremos a história do Bendegó em companhia do nosso estagiário Sandro de O. Gomes e de um pesquisador e estudioso desse meteorito, Wilton de Carvalho. Nossa visita aconteceu em época de seca extrema e isso nos permitiu constatar quão dura é a vida naquele lugar e de como o sertanejo precisa ser forte, deveras, para poder lidar com situação semelhante. Não havendo água, quando a encontra, precisa carregá-la em baldes, por muitas e muitas centenas de metros... O gado morre de fome não tendo o que comer ou beber, exceto umas bem minguadas palmas que são picadas por seus proprietários. Observa-se um interior brasileiro que praticamente não evoluiu em nada, num contraste gritante com a modernidade das cidades vizinhas, um contraste entre Brasis muito próximos e tão distantes!...
Retomando-se os caminhos da História, fica-se sabedor de que, hoje, o marco “D. Pedro II” não mais existe, uma vez que, alguns anos depois da remoção do meteorito, a região foi assolada por uma seca enorme, cujo acontecimento o sertanejo atribuiu, supersticiosamente, à remoção da pedra. Derrubaram o marco em busca da pedra irmã e ali encontraram a caixa metálica onde, segundo se diz, havia apenas um papel onde se lia “Jesus, Maria e José”!!. Provavelmente tratava-se dos autos lidos por um analfabeto qualquer...
Devido à estação das secas em que nossa viagem se deu, o riacho Bendegó encontrava-se totalmente árido. O Rio Jacuricy tinha muito pouca água e as estradas construídas pela Comissão do Império já não se podia reconhecer.
Na Estação de Jacuricy ainda se pode ver o marco “Barão de Guahy”, que lembra a todos como ocorreu o famoso transporte do Bendegó.
Em Monte Santo, existe uma réplica, em tamanho original, do Meteorito de Bendegó, mas pouco se sabe sobre a natureza da peça original no Museu Nacional.
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Descrição do meteorito
O meteorito de Bendegó é uma massa irregular, de 220 x 145 x 58 cm. lembrando, em aspecto, um asteróide. Apresenta inúmeras depressões na superfície e buracos cilíndricos orientados paralelamente a seu comprimento maior. Estes buracos se formaram pela queima do sulfeto troilita, durante a passagem transatmosférica do meteorito, uma vez que o sulfeto tem um ponto de fusão mais baixo que o restante do meteorito, consumindo-se mais rapidamente.
A “pedra” é um meteorito metálico, também conhecido como siderito. É constituído basicamente de ferro, com os seguintes elementos: 6,6% Ni, 0,47% Co, 0,22%P, e traços de S e C em quantidades bem menores, só medidas em partes por milhão.
A superfície convenientemente polida e atacada com ácido revela faixas, ou lamelas entrelaçadas, segundo planos octaédricos. Esta é a conhecida Estrutura de Widmanstatten, que pode identificar um meteorito, pois não se consegue reproduzir artificialmente no aço terrestre.
A espessura e a distribuição destas lamelas determinam a classificação do meteorito que, no caso, é um octaedrito grosseiro, pois as lamelas apresentam uma espessura média de 1,8mm.
O Bendegó pouco oxidou passados duzentos anos de sua descoberta e, a julgar pela camada de 435cm de oxidação sobre a qual repousava, e a parte perdida de sua porção inferior, é de se esperar que apresente uma idade terrestre bem avançada, ou seja: caiu naquela região há milhares de anos atrás."
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Tabela 1 – Composição do Bendegó
- Porcentagem %
Ni - 6,6
Co - 0,45
P - 0,22
- Partes por milhão (ppm)
C - 155
S - 20
Cr - 32
Cu - 174
Zn - 19
Ga - 50
Ge - 232
Ir - 0,3
Pt - 10,5
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Fonte:
http://www.meteoritos_brasileiros.kit.net/Bendegoartigo.htm
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